no corredor
passinhos lentos de botinas
o padre e a sua bíblia
o grito seco de Maldonado
que deus o sustente
a mim também
na minha vez
amém
sacharuk
### #somos mimese dos desadornos - alguns lua outros lâmpadas - outros rio alguns balde - as adversidades da estética#
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fotografia: divulgação ISTOÉ Independente (istoe.com.br) |
Restituição de bagagem
No saguão do terminal 2 do
aeroporto, o casal apressado para diante da grande tela eletrônica que exibe
publicidade bancária junto às informações pertinentes ao desembarque dos voos.
A mulher veste confortável traje esportivo e traz uma menina de cinco anos pela
mão firme. Logo, o homem encaminha-se calado até a esteira de número seis, onde
malas de diversas cores e tamanhos desfilam e exibem etiquetas brancas aos seus
prováveis proprietários.
A mãe e a criança agora escolhem
chocolates na loja próxima ao portão de saída, enquanto o homem acompanha
atentamente o passeio caleidoscópio das malas, até que, num súbito, estende a
mão esquerda em direção à alça da mala amarela que se exibe logo à
sua frente. Ao mesmo tempo, outra mão impetuosa, ornada de anéis delicados e
unhas vermelhas, tenta alçar sem sucesso a mesma mala. O disputado objeto
escapa às vontades e segue seu trajeto mecânico, ao passo que os olhares
surpresos dos dois interessados se entrecruzam. Suas faces sorriem
constrangidas. O homem balbucia uma palavra curta e a mulher responde com
outra. Andando sem graça, afastam-se alguns poucos metros.
Quando o mecanismo retorna a mala amarela, a mulher decidida a pega com rapidez e se retira guiando-a sobre as
rodinhas e batendo ritmadamente os saltos sobre o mármore. O homem, que já não atenta à esteira, hesita
por um instante e depois a segue.
Em frente ao portão de saída, ele a vê abandonar o prédio em direção à curta faixa de pedestres e acena brevemente erguendo a palma da mão. Hesitante ela para e logo retorna até a vidraça do saguão, aproximam-se e olham-se
demoradamente. Quando ele parece querer dizer algo, as pontas vermelhas de
dois dedos da mulher pousam na vidraça tal quisessem cerrar os seus lábios que, imediatamente, se calam.
Então ela se afasta até o táxi, empurra a mala para dentro, embarca e parte, enquanto ele, através do vidro, a observa partir.
De volta à esteira, ele estático, quase não vê uma única mala amarela passando à sua frente repetidas vezes, enquanto distraídas, a mãe e a menina brincam no
saguão.
sacharuk
A leonina
Tão logo a primeira tormenta da
primavera deu trégua, a camareira do Hotel Campanile, dessa feita, não desejou
voltar para casa e preparar o jantar para Jonathan. Preferiu percorrer a alameda
do parque Stanton. Seguiu alternando os passos revestida de tanta verdade que
pouco percebeu as adoráveis árvores caprichosamente dispostas à margem ou seus
sapatos lamacentos que chafurdavam nas poças. Egocêntrica, Melissa percebia-se pouco
capaz de quedar-se à paixão. Confusa, ainda que satisfeita, arqueou o cantinho
direito da boca cor-de-rosa desenhando um meio sorriso divertido. Até mesmo aos
intuitivos e determinados, essas estranhas malhas que o destino tece envolvem
surpresas. Ela que, invariavelmente, reluta em perder seu tempo aos estados
depressivos da alma, rende lealdade aos próprios sonhos, somente a eles é
devedora. Esse sentimento tão avassalador é artefato muito raro, então soltou
os cabelos. Desejou experimentar o vento que mesclou os fios negros e cacheados
aos brancos que sobressaiam tal tímidos intrusos. A indiferença é cansativa e
Melissa a odeia. Permitiu que a longa saia voasse livre e descobrisse uma
deliciosa porção das coxas morenas. Não importaram as consequências. Ela que
jamais teme ser impulsiva, não cedeu às duras penas da mentira.
Ao final da alameda há o córrego.
Foi lá que a mulher afogou suas razões no calor úmido de uma boca. Sentiu a
indiferença dissipada ao aperto firme das mãos que pousaram sobre suas nádegas.
Não havia tempo a perder.
sacharuk
O eu outroVê o espelho à tua frente. É mágico! Esbelto é o reflexo ao olhar traidor. Quebra-o!sacharuk